"Não eduque seu filho para ser rico, eduque-o para ser feliz. Assim,
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terça-feira, 26 de abril de 2011

Saber + prazer + tensão = escola:

O educador francês Bernard Charlot, um dos mais aplaudidos no 2º Fórum Mundial de Educação, defende que toda instituição de ensino deve conviver com as situações acima


Por Paloma Varón


Bernard Charlot, que espera que a escola seja fonte de prazer
Foto: Divulgação

Uma escola em que o saber seja também fonte de prazer. Essa é a dica do professor de Ciências da Educação da Universidade Paris VIII, Bernard Charlot, para despertar o interesse dos alunos. O educador é autor de vários livros que abordam o tema, como "Da Relação com o Saber: Elementos para uma Teoria", e também organizador da obra "Os Jovens e o Saber: Perspectivas Mundiais", com participação do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec).

Charlot defende uma escola que valorize o aluno, suas origens e sua auto-estima para melhorar a relação do jovem com o saber. "Os jovens não juntam o aprender na escola com o que aprendem na vida. São coisas diferentes, mas não deveria haver uma barreira entre essas duas instâncias", diz.

O educador foi uma das estrelas do II Fórum Mundial de Educação (FME), evento que reuniu educadores e estudantes de mais de 90 países em Porto Alegre (RS), de 19 a 22 de janeiro. Ele foi um dos palestrantes da conferência "Projeto político, projeto pedagógico", em que instigou a platéia a repensar suas práticas educativas.

"Estamos aqui para transformar o mundo e as nossas práticas. Não basta resistir. Que o mundo não é justo e que somos contra a sociedade neoliberal a gente já sabia antes de vir ao Fórum. Não são apenas os discursos que são políticos, mas também as práticas", disse.

O professor incitou a abertura do debate sobre as práticas cotidianas na escola. "A escola não é o programa oficial mas o que os alunos estão aprendendo. Na França e aqui também o programa oficial é pesado demais e o que os alunos aprendem é leve demais. A escola real são os métodos utilizados", afirmou.

Citou o exemplo de professores que mandam alunos memorizar frases com palavras cujo sentido eles desconhecem. "Deve-se perguntar a ele: ‘Esta prática corresponde à sua concepção de democracia, de cidadania?’ Não é com um milagre que vamos mudar a escola. É com trabalho paciente. Não vai ser fácil, mas essa é a luta que vale a pena. Estamos aqui reunidos para transformar a realidade e a escola à luz de nossos valores", disse, sob aplausos da platéia.

Na véspera da conferência, Charlot concedeu uma entrevista, ao EducaRede, em português, já que domina o idioma. Leia abaixo:

Por que alguns alunos têm mais vontade de aprender que outros?
Eu tenho algumas pistas. Não existe automaticidade nem determinismo no aprender. Deve-se levar em consideração a história escolar de cada um. A classe social não é determinante, mas tem um peso importante nisso e esse é um dos objetos de nossas pesquisas. Há crianças vindas de famílias populares que têm mais facilidade de aprender do que aquelas de classe média, que dispõem de mais recursos.

Qual a relação disso com o fracasso escolar?
Está provado estatisticamente que existe uma correlação entre o fracasso escolar e a origem social. Mas há estudantes de famílias pobres que são muito bem-sucedidos. Se entendermos as exceções, vamos saber como melhorar essa situação.

O que mais influencia o saber?
Não sei o que influencia o saber. O que vai decidir é a atividade intelectual do próprio aluno. A atividade intelectual requerida pelo aprendizado de Matemática não é a mesma para o aprendizado do Português, por exemplo. A questão do prazer é muito importante, mas deixando claro que isso não é o oposto do esforço. Uma boa analogia para isso é o esporte. A questão da auto-estima também tem a ver com o prazer, pois o prazer mais importante para um indivíduo é se sentir inteligente, perceber que entende a aula.

Como o professor pode interferir nessa relação do jovem com o saber para motivá-lo?
Ele deve saber que a lógica do aluno do meio popular é diferente da lógica da escola e também da dele. É por isso que esse trabalho é, ao mesmo tempo, difícil e apaixonante. O professor deve construir a função aluno na criança, pois ela não vem pronta de casa. Há professores que buscam motivações externas para motivar um aluno, mas isso pode criar um outro sentido. Tome como exemplo o professor que quer fazer um bolo para ensinar Matemática. O que o aluno quer é fazer e comer o bolo. Isso é muito artificial. O importante não é criar motivação, mas mobilização. E esta é interna e supõe o desejo do próprio aluno. O professor carrega nos seus ombros o patrimônio da humanidade. O problema é transmitir isso para o aluno. É essa transmissão que permite ao aluno se tornar um ser humano, se tornar um adulto. Exigências são necessárias para isso.

O senhor organizou o livro "Os Jovens e o Saber" (Ed. Artmed, 2001), que tem relatos de experiências de educação no Brasil, na França, na Tunísia e na República Tcheca. Quais são as especificidades que encontrou no Brasil?
Aqui, existe um relacionamento mais forte entre o saber e o corpo. A esfera emocional aqui é mais forte do que na França. No Brasil, o saber deve ter efeitos emocionais para ter valor.
O lado afetivo do saber é muito valorizado, por isso algumas professoras têm grande dificuldade em deixar de ser "tias". Na França, a escola é mais uma instituição. Lá a professora não é "tia".

Depois das suas pesquisas com os jovens, o que o sr. acha que tem de ser ensinado aos jovens brasileiros?
O adolescente é frágil, tem uma imagem frágil de si mesmo. O saber deve reforçar essa imagem, não deve quebrá-la. Se o saber me desvaloriza, eu vou desvalorizar o saber. Como eu digo, a atividade intelectual deve estar ligada ao prazer.

O senhor pode dar um exemplo de como isso pode ser feito?
A situação ideal é quando estou estudando a História de Portugal e isso me ajuda a entender o que estou fazendo aqui, quem sou, a minha relação com as pessoas (étnicas, inclusive). Que isso me ajude a refletir para melhor entender quem eu sou. Estabelecer pontes entre o ensino e o que estou vivendo, o que está acontecendo, esta é a condição para que o prazer tenha um sentido.

Neste Fórum, muito se falou em cidades educadoras e educação integral, que geralmente acontece em outros espaços, como ONGs e movimentos sociais. Mas, muitas vezes isso gera tensões entre ONGs e escolas. Como equacionar essas tensões para proporcionar uma educação integral ao jovem?
O fato de que exista uma tensão é normal. Tem a ver com a heterogeneidade das formas de aprender. Não existem apenas os saberes curriculares e transmitir isso ao jovem é permitir que ele entre em contato com várias formas de aprendizagem. Uma educação integral é impossível porque nunca se pode apropriar-se de todo o patrimônio humano. Uma parceria de ONGs e escolas é possível quando cada uma fica na sua área específica, mas aceitando a colaboração da outra. Não se deve escolarizar a educação de fora (deve-se respeitá-la). Assim como devem ser respeitadas as especificidades da educação escolar. Na escola, acontecem coisas importantíssimas que não acontecem fora dela. Tem regras e exigências diferentes. Não são nem devem ser atividades da mesma natureza.

E como resolver essa tensão no dia-a-dia?
Acho que a tensão pode ser uma boa coisa para fazer o jovem se tornar um adulto, alguém que agüenta as contradições, que são boas quando geram crescimento. A solução ótima é quando o que estou vivendo em um mundo me permite progredir em outro mundo. Ninguém vive em um só mundo. O sujeito é tensão. Não se produz eletricidade, vida e energia sem tensão. Ou seja, não se produz história nem humanidade sem tensões.

E, por falar em resolver tensões, como fica a questão da violência nas escolas?
Lutar contra a violência nas escolas não é terminar com o conflito. O problema é gerir o conflito com palavras, não com a força física. Só em situações de ditadura que o conflito fica escondido. Ele existe sempre e é interno, está dentro de cada um. Suprimir o conflito é suprimir a vida. A saída é dar forma humana ao conflito. Nós, aqui no Fórum, estamos tentando melhorar a nossa situação entre o neoliberalismo e a resistência.

Como funciona o esquema de "mediadores" que existe na França?
Mediadores, na França, são alunos eleitos pelos próprios alunos que têm a função de tentar apaziguar os conflitos. A idéia é ajudar a ligar as duas pessoas pela palavra. É um conceito que vem dos EUA. Na França existe há uns cinco ou dez anos.

O senhor vem muito ao Brasil e incluiu o país em seu último livro. Como é a sua relação com a nação?
Tem trocas científicas, eu tenho orientandos brasileiros e estou vivendo no Brasil. Devo me instalar mesmo aqui em julho. Vou morar em Cuiabá, cidade da minha esposa.

Vem trabalhar aqui?
Não. Venho para me aposentar, para ler, para escrever e, principalmente, para viver em um país que eu gosto. Um país interessante num momento interessante de sua história.

O que o senhor espera do governo Lula?
Não estou esperando, estou analisando. Em 1981, a esquerda chegou ao poder na França e o povo ficou muito decepcionado. Lula tem o desafio de fazer com que um projeto político geral tenha conseqüências em práticas educacionais no dia-a-dia. Esse é um desafio muito interessante, apaixonante. Lula vai tentar resolver como ter uma política de justiça e igualdade numa economia onde existe a dominação do dinheiro. O mundo inteiro está olhando com simpatia e esperança, mas também com preocupação, porque ninguém quer que essa experiência fracasse.

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